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Mary and Max

Mary and Max

Mary and Max (2009) – Mary e Max – Uma amizade diferente
roteiro e direção: Adam Elliot
4 out of 5 stars

Correndo o risco de entregar a idade, admito fazer parte da geração privilegiada que curtiu infância e adolescência nos anos 80. Nessa época pré-internet, sem email, twitter ou facebook, a troca de cartas foi durante um bom tempo a única maneira (não muito cara) de se comunicar com pessoas de outros países. E é a partir dessa premissa que se inicia a estória de Mary and Max.

mary and max

Mary Daisy Dinkle é uma menina de 8 anos que mora na Austrália, em Monte Waverley, nos arredores de Melbourne. Solitária, meio gordinha, com uma pequena mancha marrom no rosto, sofre bullying na escola. Instigada por uma dúvida pungente, inicia uma troca de cartas com Max Jerry Horowitz, um judeu de 44 anos, morador de Nova York. Obeso e portador de Síndrome de Asperger – uma variante do autismo, também conhecida como autismo de alta funcionalidade – é, ao mesmo tempo, semelhante e oposto a Mary. Ambos sentem-se deslocados no ambiente em que vivem, que lhes parece estranho e, por vezes, inescrutável. Contudo enquanto Mary é curiosa e quer entender o mundo, Max contenta-se em manter-se recluso com medo de explorá-lo.

Fiquei bastante interessada em assistir tanto pela temática – eu mesma tive alguns penpals, amigos por correspondência, durante anos – quanto por se tratar de uma animação em stop motion – o que eu adoro. É o primeiro longa do diretor/roteirista, que já havia mostrado a que veio ao ganhar o Oscar de Melhor Curta de Animação, em 2004, com Harvie Krumpet – entre outras 20 premiações. Conforme informação do próprio Elliot, Mary and Max foi baseado em fatos reais, usando sua própria experiência e a de um penpal com que se correspondeu durante anos.

Os bonecos parecem ter sido propositalmente “mal modelados”, com formas bem simples, quase caricatas. Como uma indireta para o espectador: “a aparência não importa, o que importa é a essência”. Em contrapartida, os cenários se destacam tanto pela riqueza de detalhes quanto pelas cores utilizadas nos ambientes de cada personagem. Enquanto vemos Mary em cenários em tons de sépia, variando do bege ao marrom, o mundo de Max é dessaturado, totalmente em preto, cinza e branco. E, em ambos, objetos “especiais” aparecem em vermelho.

maryandmaximage02[1]Diferente de várias animações, não se reconhecem trejeitos dos dubladores nos bonecos de massinha. Mary é dublada, quando criança, por Bethany Whitmore, e, quando adulta, por Toni Collete. Enquanto Max ganha a voz, praticamente irreconhecível, de Philip Seymour-Hoffman. E não são apenas os personagens principais que dão vida à narrativa. Os personagens secundários – a mãe de Mary e o vizinho da casa em frente, a vizinha de Max e seu médico – são muito bem cuidados e contribuem com o desenvolvimento da trama, sem nenhuma ponta solta ou situação desnecessária.

Apesar das diferenças, são as semelhanças que aproximam Mary e Max. O gosto por chocolate – a comida predileta de Max é uma receita de cachorro-quente de chocolate inventada por ele -, um programa de tv a que ambos assistem – Os Noblets, e principalmente a dificuldade de ambos em compreender como o mundo funciona e por que as pessoas tomam certas atitudes. Um bom exemplo das dúvidas que assolam as mentes dos personagens é a pergunta que levou Mary a escrever para Max: de onde vêm os bebês? São questões básicas, que qualquer criança na idade dela – ou na condição de Max – já deve ter tido curiosidade em saber. Mas o interessante não são apenas as perguntas. As teorias, ou conhecimentos prévios de cada um deles, refletem (enquanto criticam) o pensamento distorcido e as crenças de suas famílias.

No caso dos bebês, enquanto Mary diz que, na Austrália, são achados em copos de cerveja, Max afirma que, nos EUA, eles vêm de ovos chocados por rabinos ou freiras – dependendo da religião – e, na ausência destes, por prostitutas sujas e solitárias.
A partir daí já se apreende o tom do filme. Um humor ácido e, por vezes, politicamente incorreto que permeia os assuntos conversados nas cartas ou abordados no cotidiano de cada um. Indo dos mais casuais aos mais “cabeludos”, passando por bullying, distúrbios mentais, programas de tv, alcoolismo, cleptomania, religião, agorafobia, comida, diversidade sexual, preconceito, depressão, entre outros. Mas apesar dos temas pesados e difíceis, o que sobressai é a amizade entre eles que sobrevive durante tantos anos.

É um filme “de massinha” e cheio de humor? Sem dúvida. Porém, com certeza absoluta não é um filme para crianças. Não por serem temas sobre os quais elas não devem ouvir a respeito, mas essencialmente por ser necessária uma bagagem referencial grande para desfrutar do humor e das citações.

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