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"May I come in?"

"May I come in?"

Låt den rätte komma in (Let the Right One In) (2008) – Deixa ela entrar
roteiro: John Ajvide Lindqvist
direção: Tomas Alfredson
2.5 out of 5 stars

Let me in (2011) – Deixe-me entrar
roteiro: Matt Reeves, John Ajvide Lindqvist
direção: Matt Reeves
3.5 out of 5 stars

Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que este post tem mais impressões de espectadora (e leitora) e menos observações técnicas sobre o filme.

Sei – e já afirmei isso em outros textos – que um filme baseado em livro deve bastar-se como obra e que, justamente por serem mídias diferentes, não se deve esperar que o filme seja ipsis literis o livro. É inevitável que ocorram perdas e que sejam feitas alterações na transcrição. Este post não é uma comparação livro versus filme, mas filme versus remake, analisando não qual deles é uma adaptacão mais fiel do livro e sim qual conseguiu manter a essência dele, o que a meu haver é o mais importante.

MAY I COME IN

Fui assistir aos dois filmes motivada pelo término da leitura do livro (resenha aqui). Assisti à versão sueca, de 2008, depois ao remake norte-americano (lógico), de 2011. E, posso afirmar, apesar de serem bem semelhantes, o clima do livro está presente apenas no segundo.

O livro é um thriller de terror dos mais eficientes, daqueles de roer as unhas e se encolher na poltrona. Sua narrativa é brutal, crua, chocante até em alguns momentos. E, em várias cenas – por já saber da existência dos filmes – parava a leitura e ficava pensando: “Powtz! Vai ser legal demais ver esta cena no filme!”. Em muitos momentos, a leitura desperta sensações de asco, estranhamento e, lógico, susto. E, na versão sueca, não há praticamente nada disso. O filme não é ruim, mas é morno, lento, quase sonolento. Enquanto que o remake, ainda que tenha mais ou menos o mesmo ritmo, consegue ter cenas mais impactantes e criar muito mais tensão.
deixa ela entrar - livro

“Virginia consegiu ficar de pé de novo, rodopiou e tentou se livrar daquilo que estava em suas costas.
Era algo que mastigava seu pescoço e sua gargata, e o sangue que jorrou foi lhe descendo por entre os seios. Ela berrou tentando arrancar o animal das costas, e continuou gritando enquanto caía de novo na neve.
Até que alguma coisa dura tocou a boca de Virginia. A mão de alguém.
Na bochecha, garras que se enterraram na carne macia… e que continuaram, até atingirem o osso da face.”
(p.238)

Apesar de em várias cenas, a versão sueca ser mais fiel ao livro, o remake aproveita as cenas para evidenciar alguma característica do personagem. Como quando Eli (Abby) ataca Virginia, por exemplo (acima). A violência do ataque e a força de Eli (Abby) segurando a vítima, detalhes bem evidenciados em outros pontos do livro, e que julgo essenciais para entender a essência do personagem, são atenuados na versão sueca. Sim, no livro, Lacke (Larry) afasta Eli (Abby) com apenas um chute. Mas o que não se sabe é o que ocorre antes disso (descrito em detalhes no livro) e que o remake utiliza para dar força à cena.

deixa ela entrarNão quer dizer que a estória não tenha elementos eternecedores e tocantes por sua sensibilidade. O relacionamento entre Oskar (Owen) e Eli (Abby) evoluiu calmamente e com sutileza ímpar. E isso está presente em ambos os filmes. Apesar de Chloë Grace Moretz conseguir dar a Abby um ar mais ingênuo e infantil que reflete com mais acuidade a psique da personagem, Lina Leandersson também constrói Eli de forma bastante adequada.

Não me incomodou em nada a supressão das estórias paralelas e de vários outros núcleos de personagens. Senti falta mesmo da trama envolvendo a transformação de Håkan (O Pai) em vampiro. Mas entendo que nem essa nem as demais caberiam no filme. Contudo, algumas cenas que foram deixadas na versão sueca parecem soltas, deslocadas do contexto, com pouca ou nenhuma razão de existir. No remake, mesmo com várias alterações que não chegam a modificar o rumo da trama – algumas aliás foram ótimas soluções na adaptação para a tela – não há cena desnecessária ou sem explicação. No original, há várias em que um personagem, do nada, resolve fazer algo (que está no livro) mas que no filme não faz sentido, já que não há nada que justifique aquela ação. Dá a impressão que os roteiristas do remake perceberão isso e suprimiram o que não era imprescindível. E, com ligeiras modificações, conseguiram amarram todas as pontas.

Enfim, os filmes são bons, bem produzidos, mas a versão original me decepcionou por não conseguir trazer para a tela a crueza do texto de Lindqvist, perdendo muito do seu impacto.

letmeinpic[1][1]

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